Cerca de 12,1 milhões de doses já enviadas ao Programa Nacional de Imunizações tiveram parte do processo em local não autorizado; em ofício enviado à Anvisa e obtido pelo GLOBO, Butantan argumenta que doses não apresentam riscos à população
BRASÍLIA — Cerca de 12 milhões de doses da vacina Coronavac produzidas na China, e já enviadas ao governo brasileiro, foram envasadas por um laboratório que não tem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para atuar no processo. O problema foi constatado pelo Butantan, responsável pela distribuição do produto em território nacional, e comunicado na noite desta sexta-feira à agência reguladora. Diante do fato, a Anvisa determinou, neste sábado, a interdição cautelar dos lotes da vacina, proibindo a distribuição e o uso dos imunizantes que foram envasados em local não autorizado. Após ser procurada pelo GLOBO, a agência soltou uma nota à imprensa informando sobre o fato. Já o Butantan afirmou, também em nota, que “a medida da Anvisa não deve causar alarmismo”, e lembrou que foi o próprio instituto que comunicou o fato à agência “por compromisso com a transparência e por extrema precaução”.
Todos os imunizantes utilizados no país devem atender aos critérios estabelecidos pela Anvisa, sob risco de comprometimento da eficácia e segurança das doses. Essas 12,1 milhões de unidades já foram encaminhadas ao Plano Nacional de Imunização (PNI). Não se sabe, porém, quantas foram aplicadas Brasil afora.
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“Nesses termos, a vacina envasada em local não aprovado na Autorização de Uso Emergencial configura-se em produto não regularizado junto à Anvisa. Desta feita, torna-se essencial a atuação da Anvisa com o intuito de mitigar um possível risco sanitário”, diz nota da agência divulgada após ser questionada pela reportagem.
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A agência disse ainda que avaliou a documentação apresentada pelo Butantan e “consultou as bases de dados internacionais em busca de informações acerca das condições de boas práticas de fabricação da empresa responsável pelo envase desses lotes e até o momento não localizou nenhum relatório de inspeção emitido por outras autoridades de referência”.
Mais doses devem chegar com o mesmo problema, diz Butantan
O GLOBO teve acesso com exclusividade ao ofício enviado pelo presidente do Butantan, Dimas Covas, à Anvisa, na noite desta sexta-feira. Além de relatar o ocorrido, Dimas alerta que devem chegar ao Brasil em breve outras 9 milhões de vacinas na mesma situação e solicita à agência autorização para usar ambos os lotes em caráter excepcional. De acordo com o comunicado, técnicos do Butantan analisaram as informações disponíveis nos lotes e constataram que, apesar de terem sido acondicionados por uma unidade que não recebeu chancela da Anvisa, eles não apresentam riscos à população.
“Para dar suporte a esta solicitação de excepcionalidade, a equipe de Assuntos Regulatórios e Qualidade do Instituto avaliaram as documentações relacionadas ao produto envasado neste novo site, e entendem que os resultados são satisfatórios quanto aos aspectos de segurança e qualidade da referida vacina”, diz o documento, que pede urgência por parte da Anvisa.
No documento, Dimas Covas detalha que, no dia 1º de setembro, o departamento de assuntos regulatórios do instituto identificou que o laboratório chinês Sinovac, onde é fabricada a matéria-prima da Coronavac, havia enviado lotes de vacinas envasadas em uma fábrica não aprovada pela Anvisa. Ele acrescenta ainda que comunicaria o Ministério da Saúde sobre o caso. Covas destaca, porém, que o ingrediente farmacêutico ativo (IFA) usado para a fabricação foi feito em fábrica certificada pela agência.
No caso em questão, o próprio Butantan informou à Anvisa que vacinas foram envasadas numa “unidade fabril não inspecionada e aprovada pela Anvisa”, ou seja, o estabelecimento responsável pela última etapa do processo nem sequer passou pelo escrutínio da agência. O ofício traz em anexo uma declaração da Sinovac afirmando que o produto biológico a granel para produção da vacina foi produzidos na fábrica Tianfu, em Pequim, que tem autorização da Anvisa, mas que o envase foi feito na planta fabril de Yongda, também em Pequim. Esta última não passou pela inspeção da agência.
Como procedimento padrão, antes de conceder registro para uma vacina a ser distribuída no Brasil, a agência reguladora envia uma missão de técnicos ao país de origem para verificar se todas as unidades que participam da escala de produção atendem às exigência a autoridade sanitária brasileira.
No ano passado, a Anvisa enviou uma comitiva à China para realizar a inspeção das plantas fabris envolvidas no processo de produção de vacina. Na missão, os técnicos da Anvisa verificaram a estrutura da área de produção, armazenamento e dos laboratórios de controle de qualidade e analisaram se a fábrica atendia aos padrões da legislação brasileira.
O fato de a Anvisa não ter inspecionado a fábrica que atuou no processo de envase impossibilita a agência de garantir que essa parte da produção foi executada com segurança. Nesse trecho do processo, as vacinas podem ficar suscetíveis à contaminação, a erros no volume e proporções das doses, entre outros fatores.
Em nota anterior enviado ao GLOBO na manhã deste sábado, antes da decisão cautelar, a Anvisa confirmou que o tema foi tratado em reunião da agência e disse que “as equipes técnicas da Anvisa estão trabalhando na análise de todas as informações para entender o caso e as medidas a serem tomadas.”
O Instituto Butantan afirma que encaminhou à Anvisa, há 15 dias, “toda a documentação necessária para a certificação do processo de produção em que foram feitas essas doses”. Diz que o pedido de liberação aconteceu “por uma mudança em uma das etapas do processo de formulação da vacina, que pode ocorrer no decorrer da fabricação”. E ressaltou que as fábricas onde são feitos a formulação e o envase da CoronaVac “são todas certificadas pela Anvisa, desde o final de 2020”.
Na mesma nota, o Butantan faz um convite à cúpula da Anvisa “para voltar a conhecer as instalações das fábricas da Sinovac, na China”. E diz reforçar seu “compromisso com a saúde pública”, ao longo de 120 anos de história.
Por Paula Ferreira O Globo