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Em discurso de filiação ao Podemos, o ex-juiz da Lava-Jato e ex-ministro do governo federal também atacou as políticas ambiental e de enfrentamento à pandemia

BRASÍLIA – No discurso de filiação ao Podemos, o ex-juiz da Lava-Jato e ex-ministro da Justiça Sergio Moro deu uma série de recados ao presidente Jair Bolsonaro. Ex-integrante do governo convertido em adversário político, Moro é um potencial candidato à Presidência da República em 2022. No discurso, ele falou de corrupção e citou o caso das “rachadinhas”, que já levou os filhos de Bolsonaro a serem investigados. Mencionou também a situação da economia, com desemprego e inflação elevados e o preço da gasolina nas alturas. E criticou as políticas ambiental e de enfrentamento à pandemia de Covid-19 adotadas pelo governo federal, citando por exemplo as mais de 600 mil mortes provocadas pela doença e o aumento do desmatamento da Amazônia.

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Corrupção e rachadinhas

Moro foi ministro da Justiça de Bolsonaro, mas deixou o governo em abril de 2020, acusando Bolsonaro de tentar intervir na Polícia Federal. Moro relembrou o episódio, e fez menção também à atuação do presidente para proteger seus filhos, alvos de investigações. A principal delas, envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), foi anulada na terça-feira pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Flávio foi investigado por “rachadinha”, como é conhecida a prática de um parlamentar se apropriar do salário pago a assessores com dinheiro público.

— Infelizmente não pude prosseguir no governo. Quando aceitei o cargo, não o fiz por poder ou prestígio. Eu acreditava em uma missão. Queria combater a corrupção, mas, para isso, eu precisava do apoio do governo e esse apoio me foi negado. Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria apenas uma farsa — disse Moro, que ainda citou a palavra “rachadinha”: — Chega de corrupção, chega de mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha. Chega de querer levar vantagem em tudo e enganar a população.

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Moro criticou o foro privilegiado, mecanismo que vem sendo usado por Flávio Bolsonaro para retardar as investigações. Já no fim do seu discurso, fez outra alusão aos filhos do presidente:

— O Brasil poderá confiar que este filho teu não fugirá à luta e que jamais deixará o seu interesse pessoal, ou de seus filhos ou de sua família, ou mesmo de seus amigos ou de seu partido político, acima do interesse do povo brasileiro.

Moro também falou da atuação de órgãos no combate à corrupção, como a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF). Desde 2003, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o procurador-geral da República era escolhido a partir de uma lista tríplice elaborada por integrantes do MPF. A prática foi mantida pelos ex-presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer, mas abandonada por Bolsonaro, que escolheu Augusto Aras, um nome fora da lista. Aras tem tido uma atuação alinhada ao presidente da República, tornando-o alvo de muitas críticas.

— Precisamos garantir a independência do Ministério Público, respeitando as listas, e a autonomia da polícia com mandatos para os diretores, impedindo que haja interferência política em seu trabalho — disse Moro.

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Inflação, desemprego, gasolina e conta de luz

A situação da economia também mereceu atenção especial de Moro em seu discurso. Os números ruins do governo Bolsonaro serviram de fonte. Ele também defendeu a aprovação de reformas, como a tributária, e a privatização de estatais ineficientes, bandeiras de Bolsoanro na campanha de 2018 que pouco andaram em seu governo.

— Mesmo com o fim próximo da pandemia, a economia não vai bem. As pessoas ainda estão sofrendo. Há brasileiros passando fome. Isso dói em todos nós. A inflação está muito alta: os técnicos falam em um número, mas quem vai no posto de gasolina ou na mercearia sabe que é muito mais. Os juros subiram, dificultando ainda mais a vida do empresário, do agricultor ou das pessoas comuns. E os juros ainda vão subir neste governo e isso vai tornar a vida das pessoas ainda mais difícil. Não falo por ser pessimista, mas porque o país está indo para o rumo errado. Como exemplo, é só olhar o número elevado de pessoas desempregadas e há quanto tempo as coisas estão assim — disse o ex-juiz, criticando ainda a alta da conta de luz.

Moro criticou ainda a proposta de emenda constitucional (PEC) que muda o pagamento dos precatórios, que são despesas do governo decorrentes de sentenças judiciais, e altera o cálculo do teto de gastos. A PEC já foi aprovada pela Câmara e ainda será analisada pelo Senado. Ela foi a forma encontrada por Bolsonaro para viabilizar o Auxílio-Brasil, programa substituto do Bolsa Família, no valor de R$ 400 e, com isso, ajudar na sua reeleição em 2022.

Mesmo quando se quer uma coisa boa, como esse aumento do Auxílio-Brasil ou do Bolsa-Família, que são importantes para combater a pobreza, vem alguma coisa ruim junto, como o calote de dívidas, o furo no teto de gastos e o aumento de recursos para outras coisas que não são prioridades — disse Moro.

Por outro lado, o próprio Auxílio-Brasil foi alvo de críticas do ex-juiz. Ele afirmou que para acabar de vez com a miséria é preciso mais do que isso, sendo necessário identificar o que cada pessoa precisa para poder sair dessa situação. Moro disse que não é uma tarefa impossível, que poderá ser feita sem “destruir o teto de gastos ou a responsabilidade fiscal”.

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Pandemia

O ex-ministro mencionou também a pandemia de Covid-19 e fez referência às constantes declarações de Bolsonaro minimizando as mortes, algumas delas em tom de deboche. Moro também afirmou que terá como armas a verdade, a ciência e a justiça. Bolsonaro patrocinou remédios que foram cientificamente comprovados serem ineficazes contra a Covid-19, como a cloroquina.Não há um verdadeiro brasileiro ou brasileira que não tenha se emocionado com essas perdas — disse Moro.

Mentiras e ataques à imprensa

Ele também disse que não adotará o caminho da mentira e das “verdades alternativas”, numa referência a boatos e desinformação sobre vários temas espalhados por Bolsonaro. E afirmou que respeitará a imprensa, um dos alvos preferidos de ataques do presidente, seja por meio de declarações, seja por meio de investigações abertas na Polícia Federal.

— Chega de ofender ou intimidar jornalistas. Eles são essenciais para o bom funcionamento da democracia e agem como vigilantes de malfeitos dos detentores do poder. A liberdade de imprensa deve ser ampla — afirmou Moro.

“Tudo errado” na política ambiental

Moro também falou da necessidade de proteger o meio ambiente e citou a Amazônia, que viu o ritmo de destruição aumentar no governo Bolsonaro. Segundo Moro, o Brasil fez “tudo errado nos últimos anos”.

— Temos a maior floresta do mundo, a Amazônia. Infelizmente, alguns veem a floresta como um incômodo e hoje nossa imagem no exterior é péssima. Mas a floresta é um patrimônio valioso e precisamos mudar a percepção do mundo a nosso respeito. Precisamos dar oportunidades de desenvolvimento para quem vive na região da Amazônia, mas precisamos proibir o desmatamento e as queimadas ilegais. Promover as ações e usar as palavras certas, considerando a população local.

Reeleição

Moro atacou o uso da Forças Armadas para fins políticos, dizendo que elas “pertencem aos brasileiros e não ao governo”. Também criticou a reeleição para cargos no Executivo, como presidente, governador e prefeito. Esse mecanismo também era criticado por Bolsonaro antes de chegar ao poder.

— O presidente, assim que eleito, começa, desde o primeiro dia, a se preocupar mais com a reeleição do que com a população, está em permanente campanha política. E ainda tem o risco de gerar caudilhos, populistas ou ditadores, de esquerda ou de direita, pessoas que se iludem com o seu poder e passam a ser uma ameaça às instituições e à democracia, seja por corrupção ou por violência. Não devemos mais correr esses riscos — afirmou Moro.

Ao falar de educação, disse que é preciso ter “tecnologia e internet nas escolas”. Em julho, o governo federal apresentou uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra uma lei que previa R$ 3,5 bilhões para garantir de conexão à internet a alunos e professores de escolas públicas.

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