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Belo Horizonte tem a segunda maior taxa de moradores em situação de rua, atrás só de Boa Vista, que convive com migração de venezuelanos

População em situação de rua em Belo Horizonte quase quadruplica em dez anos

Em dez anos, quase quadriplicou quantidade de pessoas em situação de rua em Belo Horizonte

Na casa improvisada na calçada da rua Caetés, no centro de Belo Horizonte, Tereza Santos, 69, se divide entre esquecer o passado e entregar currículos. Sem moradia desde que perdeu o emprego há três meses, ela teve que ir para a rua com o filho, de 22 anos. “Não tinha como pagar o aluguel mais. Eu era diarista, mas eu estou ficando velha e ninguém quer gente velha para trabalhar. Não estava conseguindo arrumar nada, porque acham que eu não dou conta mais”, lamenta ela, enquanto espera o filho chegar da fila de doações que se forma todas as quintas-feiras, próximo à rodoviária.

Sem casa, sem emprego e sem perspectiva, Tereza faz parte de uma rápida impressão da capital nos últimos meses: a miséria da cabeça aos pés. Em Minas Gerais, 19.598 pessoas vivem em situação de rua. Só em BH, nos últimos 10 anos, o número de pessoas nas ruas cresceu 270%, segundo dados do Ministério da Cidadania. Em 2012, eram 2.324. Já em 2021, na última atualização dos dados, esse número quadruplicou, saltando para 8.609 pessoas – após ter atingido o recorde negativo de quase 12 mil pessoas nas ruas.

Atualmente, BH é a segunda capital do país com a maior proporção de moradores de rua: a cada 100 mil habitantes, 363 pessoas vivem sem teto na cidade. Belo Horizonte fica atrás somente de Boa Vista, que convive com os milhares de imigrantes venezuelanos, que vieram ao Brasil tentar uma vida melhor, mas acabaram nas ruas. Por lá, a cada 100 mil habitantes, 458 pessoas não têm um lar.

“Eu me sinto frustrada como mãe em nem poder dar uma casa e um estudo para ele. Mas ele é um bom menino, não me abandonou. Vamos vivendo do dinheiro que ele consegue vendendo latinha e vendendo bombom”, conta a diarista, que comemora a doação de um cobertor de voluntários.

“Tem muita gente boa por aí, mas a gente queria mesmo era a casa da gente para não ter que passar por isso”, desabafa Tereza, uma das milhares de pessoas que habitam as ruas da capital mineira.

 

Dados divergentes

Os números contrastam com os dados usados pela Prefeitura de Belo Horizonte. Conforme o último levantamento, em 2017, a cidade possuía 4.553 moradores de rua. Segundo um levantamento realizado pela Itatiaia, em 1998, quando a prefeitura fez o primeiro censo, eram 916 moradores de rua. Em 2005, o número passou para 1.164. Já em 2013, quinze anos depois, o censo identificou 1.827 pessoas vivendo nas ruas da capital.

Atualmente, a Secretaria Municipal de Políticas Sociais trabalha com base em um recorte de 24 meses dos dados do Cadastro Único da Assistência Social. Nele, as pessoas se declararam em situação de rua e têm direitos a benefícios do governo federal, como o Auxílio Brasil. De acordo com a PBH, como os números no CadÚnico podem estar desatualizados e pode acontecer migração dessa população, hoje, o número considerado pelo município é de 5.800 pessoas na rua.

Mas, para pessoas que organizam redes solidárias de assistência a quem habita as ruas, o número ultrapassa 12 mil.

Para o professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG,  Frederico Garcia, apesar dos números divergentes, todos eles convergem para o real drama na cidade. “Temos um problema de política macro para muitas dessas pessoas. Quando você aumenta o emprego, por exemplo, você consegue ter uma renda própria e consegue sair da rua.  A questão toda que precisa ser pensada é a temporalidade, quanto mais tempo se passa na rua, maior a probabilidade de desenvolver questões que dificultam a sua saída. A urgência é como ajudar essas pessoas a ficar menos tempo possível na rua e voltar a assumir uma vida tal qual elas desejam, com espaço próprio”, avalia.

Novo perfil de pessoas em situação de rua

Há 22 anos, Claudenice Lopes, assistente social e coordenadora da pastoral de rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, oferece apoio material a pessoas em situação de rua. Para ela, nos últimos dois anos, houve um crescimento de pelo menos 40% dessa população. Ela aponta a crise econômica como um dos principais responsáveis pela miséria e pela inclusão de um novo perfil de pessoas em situação de rua na cidade. Vale lembrar que somente neste ano pelo menos 17,5 milhões de famílias brasileiras estão vivendo em situação de extrema pobreza. Segundo o IBGE, falta trabalho para 11,9 milhões de pessoas.

“A gente percebe que os que estão chegando são jovens, até 30 anos. É um grupo que nunca teve acesso ao mercado formal de trabalho. Para mim, isso é diferente, porque a população em situação de rua sempre teve histórico de inserção no mercado de trabalho, aí perderam essa condição e foram para a rua. Esse novo grupo mostra muito a realidade do país em que vivemos, são jovens sem oportunidade”, avalia a assistente social, que tem notado ainda a presença de pessoas mais idosas nas ruas de BH. “Temos pessoas mais idosas, endividadas e sem renda. É um fenômeno que está muito relacionado à crise econômica, perda de condição de trabalho e aumento da desigualdade”, completa.

Quinzenalmente, Romeirik Gomes doa cobertores, alimentos, roupa e o que mais tiver sobrando em casa para as pessoas em situação de rua em BH. Ele se junta a um grupo formado por 15 pessoas que distribui de 450 a 500 marmitas e mil quilos de roupas e cobertores em quatro horas pelas ruas da capital. “Se eu ficar 12 horas na rua, eu tenho certeza que teriam mais pessoas para receber as doações, todo dia tem gente nova na rua. O poder público ajuda, os projetos ajudam demais, só que mesmo com os projetos ajudando está muito difícil. Precisa de muito mais estrutura, muito mais abrigo, muito mais respeito e educação com eles. Nós temos uma África dentro de Minas Gerais.”

Perfil de quem habita as ruas

Segundo o último Censo da população de rua, realizado em 2013 em Belo Horizonte, a maioria das pessoas afirmava ir para as ruas devido a conflitos com a família ou por questões financeiras. De acordo com a pesquisa, 30,11% das pessoas relataram algum problema com familiares ou companheiros como o principal motivo para irem às ruas. Já o desemprego foi o fator decisivo para 8,43% dos moradores, seguido da perda de moradia (6,02%). Problemas relacionados a álcool e drogas aparecem somente em 10,06% da população.

“Claro que as causas para a ida para a rua têm a ver também com a perda de vínculo, conflito territorial, com a família. Mas, para além disso, temos casos de saúde mental, em que o adoecimento tem a ver muito com a condição de vida que a pessoa leva. No fundo, a questão socioeconômica é a base, ainda que tenhamos fatores de ordem subjetiva”, pontua a coordenadora da pastoral de rua da Arquidiocese de BH.

Por Letícia Fontes

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